Avatar (Netflix)

A adaptação em live-action de Avatar na Netflix foi um dos lançamentos mais esperados no ano. Os números provam isso. Mais de 21 milhões de usuários assistiram aos episódios da série em sua primeira semana. Contudo, esse sucesso era esperado por ser o remake de uma franquia extremamente popular na plataforma de streamings mais famosa do mundo. O que poderia dar errado?

Em termos de roteiro, muita coisa. A Netflix continua com seu péssimo hábito de mexer (para pior) no roteiro de obras consagradas, como Avatar, YuYu Hakusho, e Cavaleiros do Zodíaco. Isso não quer dizer que a série seja ruim; ela só não faz jus ao original, cujo universo é muito mais rico e detalhado.

Vamos começar pelas mudanças positivas. A adaptação em live-action de Avatar aproveitou em partes a expansão do universo da franquia. Quando o primeiro livro (como se denomina cada temporada) foi lançado, os criadores ainda não tinham desenvolvido todos os detalhes desse universo.

Mais de uma década depois, o live-action trouxe, por exemplo, uma participação mais forte dos personagens da Nação do Fogo. Sozin é um dos destaques do primeiro episódio. Ozai, nosso vilão supremo, teve boas aparições, o que ajuda a solidificar sua força no andamento da série. Azula, nossa vilã favorita, ganha uma aparição mais cedo.

E fica por isso mesmo. Apesar de ter trazido algumas atualizações, a adaptação da Netflix comete erros crassos ao mexer na narrativa dos personagens em determinados momentos. Sokka, por exemplo, perde o seu machismo inicial (que some após ele viajar o mundo) e ganha o sonho de se tornar um engenheiro. Seu passado também é descaracterizado.

No original, Sokka é o único “homem” que sobra na Tribo da Água do Sul. Todos os demais, inclusive Hakoda, o pai dele, estão lutando na guerra contra a Nação do Fogo. Isso faz com que Sokka traga para si a responsabilidade de ser o provedor e o protetor de sua tribo.

Ele não esconde seu talento para engenharia (que nunca é rebaixado), mas também não abre mão de ser guerreiro para proteger sua família. Perto dele, o Sokka da série é só um garoto inseguro com problemas de aceitação paterna.

Katara e Aang

Outro grande problema nessa adaptação é o desenvolvimento de Katara e Aang individualmente e como casal. No primeiro livro da série, fica claro que os dois gostam um do outro, assim como todo pré-adolescente descobrindo o amor. A adaptação em live-action arranca isso pela raiz.

Esse é um grande problema, não pela questão romântica, mas pelo próprio desenvolvimento da série. Katara é uma figura importante para o crescimento de Aang, sendo a única pessoa capaz de tirá-lo do estado de Avatar e representando uma força e uma fraqueza para sua evolução espiritual. Ambos os pontos são grandes destaques no segundo livro.

Por outro lado, Aang também é uma figura importante para o crescimento de Katara. Ele a incentiva a aperfeiçoar sua dobra e a apoia em determinadas situações. O live-action praticamente deturpa isso nos episódios em que eles estão no Polo Norte.

Lembram da icônica cena em que Katara enfrenta o Mestre Pakku pelo direito de aprender dobra d’água para combate? Na animação, Aang apoia a causa, cogitando até procurar outro mestre que aceite treiná-los juntos. No live-action, Aang sugere que seria até melhor Katara ficar de fora dos combates, o que vai totalmente contra seu personagem.

Aliás, o próprio Aang se perde no roteiro. Em vez de termos um menino alegre que, de vez em quando, sente o peso da responsabilidade de ser a pessoa mais importante do mundo, temos um menino deprimido por uma culpa que não foi dele.

Os livros de Avatar

Outro pecado cometido pela adaptação da Netflix foi desrespeitar a ordem dos livros e alguns acontecimentos. Os livros recebem o nome de um elemento diferente representando o elemento que Aang precisaria aprender naquela temporada. Mas, na série, Aang termina o livro “Água” sem aprender a dobrar a água.

Isso é um erro porque, em Avatar, esses aprendizados não se tratam apenas do elemento em si. O roteiro faz questão de mergulhar em questões culturais de cada etnia e o Avatar, por controlar os quatro elementos, precisa conhecer esses nuances para fazer seu papel de mediador.

Além desse erro óbvio, a série adiantou alguns acontecimentos do segundo livro, “Terra”, para a primeira temporada. O primeiro foi a Caverna dos Dois Amantes, que é um caminho importante para Omashu. Na animação, esse episódio é usado para evidenciar o relacionamento entre Katara e Aang. A série trocou esse simbolismo para falar do amor entre irmãos entre Katara e Sokka, descaracterizando esse plot (e tornando-o muito esquisito).

Além disso, as ilusões trazidas pelo pântano na segunda temporada de Avatar viraram delírios do mundo espiritual. E assim a Netflix perdeu outro plot importante, porque é no pântano que Aang vê Toph pela primeira vez e recebe uma pista para encontrá-la. Para quem é fã da obra original, Toph dispensa introduções.

Conclusões

Se não fosse baseado em uma obra tão aclamada quanto Avatar, talvez essa adaptação não recebesse tantas críticas por algumas mudanças. Mas talvez ela nem fizesse tanto sucesso assim para começo de conversa. A série tem até momentos divertidos. Só não assista pensando na obra original.

Foto: Reprodução/ Twitter Netflix.

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